
You are not all going to die. Only two percent of you right here today would be killed in a major battle. Every man is scared in his first action. If he says he’s not, he’s a goddamn liar. But the real hero is the man who fights even though he’s scared. Some men will get over their fright in a minute under fire, some take an hour, and for some it takes days. But the real man never lets his fear of death overpower his honor, his sense of duty to his country, and his innate manhood. George S. Patton
A frase acima faz sentido para você? Ela tem um contexto, é claro. Fez parte de um discurso feito pele General Patton para a tropa militar norte-americana que se preparava para ir para o palco europeu da Segunda Guerra Mundial, em 1944. Nem faz tanto tempo assim, quer dizer, do ponto de vista cronológico e contando em anos. Em termos geracionais também. Aqueles nascidos por volta dos anos 20, tiveram contato direto com a guerra e foram para ela ou foram afetados por ela. Minha geração, nascida na década de 60, conheceu muita gente dessa idade.
Mas não é essa a distância a que me refiro. Estou pensando no encaixe de sentido dessa frase dita naquele momento e quando pronunciada hoje. Resta dizer e apontar que ela seria impronunciável hoje e passível de todo tipo de cancelamento. Mas o que terá acontecido nesse meio tempo? As guerras continuam a existir e nada sinaliza que nos abandonarão tão cedo. Nascemos, vivemos e morremos como sempre e isso é outro aspecto que não sofreu alteração alguma. O que mudou então?
Perdemos a noção da materialidade da vida e caminhamos para fazer abstrações somente: vivemos a lenda de optarmos pelo que queremos ser e seguimos com a felicidade de Instagram. E mais educados formalmente que somos, mais e mais nos afastamos do que de fato exige a nossa atenção. Essa é uma diferença que temos em relação àqueles que pegam a vida pela frente. Acho que é o tal berço esplêndido que aparece no nosso hino. Capistrano de Abreu dizia algo parecido: abandonamos o essencial e nos apegamos ao acessório. Pode bem ser que sim.
O garoto que ajuda os pais no congestionamento colocando o saquinho de balas nos retrovisores dos carros, para depois sair correndo para pegá-los de volta, tem muito mais consciência de que está vivo e que tem que batalhar. Mas, no nível da abstração, se ele tivesse a educação dos bem nascidos, provavelmente não saberia mais o que é preciso para ganhar a vida. E sairia por aí como muitos adultos que eu conheço, como carrinhos de bate-bate.
Creio que para o garoto acima, a frase de Patton teria sentido uma vez que ele não teria os mesmos preconceitos que as demais pessoas. O fato de termos nos afastado desse cotidiano que não deixa que nos lembremos do que é necessário para se manter vivo fez muito mal para todos nós. Aspecto contraditório do projeto de redenção do ser humano a partir da educação. A não ser que ela fosse tão empírica quanto o ensino de uma habilidade através da repetição continuada, assim como Aristóteles ensinou.
Veja essa outra frase, do mesmo contexto da primeira: “Olhem à direita e à esquerda. Depois da primeira semana na Normandia, só restará um de vocês”. Fala de um oficial comandante para a tropa às vésperas do dia D. Antony Beevor. O Dia D: a batalha que salvou a Europa. São Paulo: Crítica, 2019, p.24.
O espírito não é tão diferente da fala de Patton, mas, com certeza, a incompreensão que ela gera no contemporâneo é exatamente a mesma. No entanto, ela está carregada de verdade, Omaha que o diga. Não, quem não está em uma guerra não enfrenta o mesmo nível de stress. Mas o cotidiano oferece algumas possibilidades de aproximação. Se estamos com saúde, podemos perdê-la. Podemos nos acidentar, descobrir uma doença fatal depois de um exame de rotina. Ou acontecer o mesmo com alguém que amamos, filhos por exemplo. O emprego que temos pode ser perdido num passe de mágica. Uma relação que se iniciou por amor pode não resistir e acabar rapidamente.
O que causa embaraço e estranhamento é o fato de ambas as frases serem verdadeiras sem que exista nenhum subterfúgio ou rede de proteção. Elas não escondem nada ou ambicionam tornar a realidade mais palatável. O que há nelas de verdade implica na identificação com aqueles que as pronunciaram, uma vez que se está sendo verdadeiro e sem fingimento de espécie alguma.
Você conseguiria supor essa fala na boca de um coach? Seria possível num procedimento de autoajuda? Faria sentido se fosse pronunciada como meio de reabilitação de autoestima? A resposta é “não” para todas essas perguntas. Estivesse você no lugar daqueles soldados, você somente teria que se ver com essa fala e a empatia para com ela está na adesão a quem pronunciou com o que verdadeiramente iria acontecer. Em relação ao discurso de Patton, o que se disse foi muito bem aceito pela tropa. Simples assim.
O que há de verdadeiro em ambas as frases e que fez total sentido, para quem as pronunciou e para quem as ouviu, é a aceitação do que deve ser feito, do que se espera no ataque e do que deve se proteger. Filmes e a boa literatura nos mostram como relações humanas feitas desse tipo de material se solidificam, uma vez que se sabe com quem contar ou não. Nada ali é mediado pelo marketing ou pela psicologia.
Haveria contexto para o pronunciamento de ambas as falas nos dias em que vivemos?
Veja a LABÔ Lecture com Fernando Amed:
https://offlattes.com/archives/12447
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