
A se crer naquilo que acompanhamos no ambiente digital, não tenho dúvidas de que estamos no final dos tempos em relação ao conteúdo deplorável que nos é apresentado. Nada é consensual e as opiniões não podem ser divergentes jamais. Quando se pronuncia algo que não se concorda, o clima esquenta de tal modo que se é atacado a perder de vista. Se retomarmos os sete pecados capitais, estamos às voltas com a ira misturada na mesma proporção com a acídia. Quanto tempo as pessoas têm de sobra para permanecerem ali comentando cada juízo?
Trata-se de um arremedo de opinião pública da pior categoria, aquela que pretende inibir o interlocutor. Nessa direção, as redes sociais parecem conseguir retirar o pior de cada ser humano, aqueles que sequer supõe o que venha a ser a compaixão ou a delicadeza. Penso aqui na quantidade de anos passados em que aprendemos a duras penas e na comparação com os outros, a sermos minimamente educados. Uma estadia nas redes e notamos que tudo isso parece ter se perdido. Falamos de decoro e não o encontramos mais. Supomos cerimônia e não mais a percebemos. Pensamos em educação familiar e nem sequer a notamos.
Diga-se aqui, que há uma distância entre o que ocorre nas redes sociais e na realidade propriamente dita. Os limites demoram mais para serem ultrapassados quando no contato pessoal e ainda nos deparamos com um cenário menos arruinado. Pode ser reflexo de um cuidado uma vez que o comportamento na internet dá oportunidade para se falar o que se quer sem a preocupação de receber uma réplica ou até mesmo a resposta a uma agressão. Ou então é isso mesmo que se aguarda no “quanto pior melhor”.
Perdemos todos na qualidade das apreciações e sentimos falta de uma época em que somente se lia as matérias nos jornais e no máximo se enviava uma carta para a página dos leitores. Que ganho tivemos com a livre e agressiva expressão de todos contra todos que acompanhamos na internet? Quanta vergonha alheia. Quanto disparate e achatamento. Muitos de nós remontamos aos piores cenários inspirados no conceito de natureza humana.
E se ficássemos quietos, que diferença iria fazer? Quem se julga tão a sério para supor que seu comentário valha a pena ser lido? E se deixássemos a caravana passar e não déssemos a mínima para todo esse ruído? E se unicamente déssemos ouvidos às pessoas cujo julgamento ou avaliação de fato nos interessa? Amigos que escrevem me dizem que jamais leem os comentários que são feitos sobre o que acabou de ser publicado. Dizem que você deve unicamente escrever para dizer o que pensa e não para agradar alguém. Mas se o desagrado vier, pode bem ser que se tenha constituído ali uma contradição. E o modo das redes de reagir a isso é ladrando. E tudo isso é feito de modo seletivo e evidenciador de todo tipo de preconceito. Parecemos todos com bots e nos tornamos mais e mais supérfluos. Chama a atenção a ausência de critério quanto ao que estimula os disparates e indignações fake. Quer um exemplo?
Num dia desses, topei com uma foto da liberação de um refém israelense em Gaza. Um cidadão nitidamente comprometido aparentando pesar muito menos do que deveria, se estivesse de posse de sua saúde. Do lado dele, dois terroristas mascarados e armados com fuzis e pistolas. Ao fundo, dizeres em uma lona esboçavam palavras de ordem, que clamavam pela justiça através da prática do sequestro de cidadãos comuns. Dá para pensar em algo mais terrível e assustador? Quais as lembranças que vem à mente de alguém minimamente atinado em história? A Segunda Guerra Mundial está logo ali, entre 1939 e 1945.
Quanto tempo perdido em picuinhas contra essa ou aquela matéria quando em comparação com o que de fato importa. Não seria o caso de parar tudo e se perguntar quanto ao que poderia ser feito para resolver essa situação? 80 anos se passaram e não nos damos conta de que imagens desse tipo nos fazem recordar do extermínio dos judeus nos campos nazistas?
Não, o assunto ali é de outra gravidade. Estamos falando do terror e do ataque a civis que se transformaram em reféns. Não se pode colocar no mesmo horizonte o que Israel fez como resposta e o que o grupo terrorista veio a realizar. Sequer podemos confiar nos números que são pronunciados pelo grupo que detem o controle sobre Gaza. Você já pensou sobre isso quando acompanha esses mesmos números quando dispostos por uma organização terrorista e por um governo democraticamente eleito e baseado na força das instituições? Levaríamos a sério estatísticas que fossem publicadas por uma organização do crime organizado?
Eu não dei a mínima para os comentários que deviam ser aos montes e também agressivos contra a pobre criatura que ali se encontrava no limite de suas forças. Em bom português, a internet revela o que há de pior na espécie humana, configurando assim em uma boa ideia do que deve ser o inferno. Perdemos todos quando naturalizamos a violência ou quando edificamos uma frágil tentativa de colocá-la numa grade hierárquica supostamente neutra. Não deveríamos jamais nos acostumar com sequestros de civis por grupos terroristas e nem sobre a violência cometida contra os reféns. Uma infelicidade que coloca para escanteio a tão propalada alteridade que protagoniza as narrativas água com açúcar que nos cercam por todos os lados. Dependendo do sequestrador e do refém, somos capazes de admitir que essas práticas violentas façam algum sentido positivo. Não lhe parece o fim do mundo?
Veja a LABÔ Lecture com Fernando Amed:
https://offlattes.com/archives/12447
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