
Junto aos novos descobertos vinha, porém, morrer enfraquecida, mas sempre alucinada, a bandeira. Conservava, como desde os tempos piratininganos, os traços característicos da sua formação: Interesse, Dinamismo, Energia, Curiosidade, Ambição. Faltavam-lhe os estimulantes afetivos de ordem moral e os de atividade mental. Nunca soubera transformar em gozo a riqueza conquistada. A sua energia intensiva e extensiva concentrava-se num sonho de enriquecimento que durou séculos, mas sempre enganador e fugidio. Com essa ilusão vinha morrer sofrendo da mesma fome, da mesma sede, da mesma loucura. Ouro. Ouro. Ouro. Cobiça. Paulo Prado. Retrato do Brasil: Ensaio sobre a tristeza brasileira. Primeira edição de 1928
Tanta conversa jogada fora sobre o neoliberalismo e a esquerda como se fossem tão diferentes entre si. Ao menos no Brasil, não é o que se percebe. Indo direto ao ponto, por aqui a política é privatizada bem como as instituições que são defendidas como democráticas do modo que agrada aos donos, isto é, convenientemente. Sim, ecoo aqui Raymundo Faoro e seu Os donos do poder: a formação do patronato brasileiro (Rio de Janeiro: Editora Globo, 1958), leitura obrigatória para sempre se recordar do que nos aguarda quando damos conta que somos brasileiros. Há alguma saída? Para mim me ocorre Cumbica ou Viracopos, nada mais.
Vamos aos fatos: você está se pegando acompanhando as notícias sobre a trama golpista, etc. e tal? Não perca o seu tempo. Lembre-se do quanto se investiu na falecida operação Lava Jato. Investimento em todos os sentidos. Teve gente que se suicidou por causa dela. Países como a Colômbia que colocaram na conta da corrupção promovida no Brasil a eleição do primeiro presidente de esquerda. Uma montanha de dinheiro público – o que no Brasil é uma abstração que se guarda debaixo de colchões – foi jogada na logística da tal Lava Jato, até série de streaming rolou…
E tem quem esteja pagando o que foi desviado de grana, mesmo que a justiça demonstre que não houve corrupção, uma vez que tudo foi anulado. Tudo. Imagine, as oitivas – nome pomposo para inglês ver – os julgamentos, os advogados pagos, enfim, todo o salamaleque desse negócio privado que no Brasil é o sistema de justiça. Se esses caras forem quisessem, revogavam a lei da gravidade e sairiamm por aí dando declarações que ninguém entenderia. E por aqui teriam que se fazer compreender? Os donos da lei estão numa categoria de super-humanos, muito acima da maioria de nós.
Vejamos um caso que tem me intrigado há algum tempo: o lugar que ocupamos no crime organizado mundial, o narcotráfico. Em nosso país, as organizações criminosas se inspiraram no que na política ganhou o bravo nome de clandestinidade. Tire essa palavra do contexto é ela gruda na parede como gelatina pregada. Sim, falamos aqui de uma organização paralela ao Estado e que fornece segurança para os seus adeptos e faz grana feito praga que se alastra por onde quer que se deseje fumar um baseado ou cheirar uma carreira. Tal instituição paralela tem a sua lei, os seus julgamentos e as suas punições. Tudo isso sob a luz do dia. Penso que se trata de um modo de se encontrar algo que os defenda já que nada pode se contar a partir das instituições públicas. Praticar a honestidade no Brasil é vício que não se sabe bem a sua origem, talvez seja por preguiça de se ter que acordar cedo para praticar a extorsão. Melhor virar político ou fazer um curso de Direito para se entortar ainda mais.
Olhando desse modo, até consigo ver algo de virtuoso no crime organizado. Mas nem tanto, pois os seus tentáculos se espraiam pela política e jamais saberemos onde começa um e termina o outro. Bandidagem de terno e gravata temos aos montes. Trombe aí com uma manchete de jornal e você irá ver pares desse tipo de pessoa. Quanto mais idealismo pronunciarem, mais perto do inferno esses tipos estão.
Dá para entender também por que a política no Brasil se privatizou. Essas pessoas se fecham e se defendem com o dinheiro dos impostos que pagamos. Político no nosso país, a partir de um certo nível, estadual ou federal, é intocável. Quem tem coragem para mexer com doutores? Não se dê ao trabalho de persistir nas notícias de que tal ou tal presidente da república será preso ou o escambau. Não há algoritmo que dê conta da métrica Brasil, nem lei que tenha sido anteriormente definida. Nosso país é o inferno de Kant com todo o potencial de arruinar os juízos do pobre alemão idealista.
Não perca o seu tempo acompanhando as idas e vindas de instituições da justiça que vão e que voltam na maior cara de pau e que posam como impolutos. Quando um evento político que envolva corrupção – enfim, todo evento politico – imagine para si que já se passaram quatro anos e tudo aquilo já não existe mais. Lembre-se que no nosso caso, denúncias de corrupção existem para aumentar ainda mais a corrupção.
O que fazer? Não acompanhe as notícias. Leia livros de história, de preferência sobre civilizações desaparecidas. De pré-história também, o que de acordo com um amigo meu que é filósofo é onde nos deparamos com o que de melhor conseguimos produzir de nós mesmos. Até que durou bastante e nos saímos muito bem, até que o ser civilizado apareceu diante de nós para ferrar com tudo. Suspeite sempre de quem defende o estado ou a democracia. Nada contra ela e muito pelo contrário. É que aqui, os ideais mais caros se tornam convenientes para todo tipo de sacanagem. Isso mesmo, esculhambamos tudo.
Aliene-se da política e cuide do seu jardim.
Veja a LABÔ Lecture com Fernando Amed:
https://offlattes.com/archives/12447
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