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A morte da objetividade e o fim do jornalismo

Fora do Brasil estamos cada vez mais nos deparando com alusões à morte do jornalismo e perda de sentido de sua existência. Várias são as alegações, mas o ponto em comum costuma ser a percepção de que a oferta de informações através dos canais digitais tem contribuído para a perda da primazia dos periódicos. É com razão que pensamos que a imprensa há muito não mais se depara com a sua razão de ser, uma vez que o contexto que possibilitou essa instituição ser chamada de quarto poder já não mais existe.

Salvo situações específicas em que uma pessoa mantenha o hábito da leitura dos jornais – alguns o fazem no papel – por conta da permanência daquilo que via seus pais fazerem, já não se percebe oportunidade nem expectativa para se buscar o contato com as notícias que antes saciavam a nossa curiosidade. Mudamos a nossa relação com as informações que hoje tomaram o espaço das notícias. O que há de novo numa edição de um jornal que já não tenha sido mencionado em algum site informativo?

Sobre esse tema, o jornalista e pesquisador de mídia, Andrey Mir, tem se destacado na realização de um diagnóstico mais preciso e, por que não dizer, generoso. Autor do livro Postjournalism and the death of newspapers: the media after Trump: manufacturing anger and polarization (Estados Unidos: Independently Published, 2020), Mir vem produzindo artigos bastante detidos sobre as grandes tormentas enfrentadas pela prática do periodismo.

É dele um artigo publicado esse ano no City Journal, uma publicação do Manhattan Institute for Policy Research que se chama “An obit for journalism: the death of objectivity has been both case and effect”. Suas contribuições para essa reflexão começam pela constatação de que o jornalismo já não pode mais se sustentar fazendo somente jornalismo. E mesmo que tenha buscado outros meios de se manter ativo, a concorrência tem se mostrado mais ágil no domínio desse espaço antes ocupado pela indústria da imprensa.

Vários são os obstáculos, iniciando pelo que antes sustentava a imprensa diária, a saber, a publicação de anúncios. Segundo Mir, são muitas as possibilidades de se comprar a atenção dos consumidores e que não passam pela publicidade nos jornais. No entanto, mesmo que esse seja um problema de grande monta, Andrey Mir se pergunta se a própria imprensa não teria se tornado desinteressante e pouco atraente para o potencial leitor. Mas o que teria acontecido para que isso viesse a acontecer?

Partindo da chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, o autor nos apresenta uma situação em que grande parte da mídia jornalística mais tradicional deixou de se preocupar na apresentação de opiniões divergentes, caminhando quase que de maneira uníssona em uma direção somente, claramente contrária a Trump. Esse fato, que não é desconhecido entre nós, fez com que uma lógica fechada fosse estabelecida a partir da percepção aferrada de que não se poderia conceder considerações equânimes para quem se manifestava de modo crítico em relação à democracia. A contradição então percebida pelos leitores foi o seguinte: tal limitação de pontos de vista não feria o princípio basilar do jornalismo que é a da objetividade?

E mais, se o periodismo assume um lugar contra ou a favor de alguma ideologia partidária, o que nos incentivaria a procurar conhecê-lo? E o inverso também produz sentido. De acordo com Mir, os jornalistas costumam ser bastante perseguidos quando “cobrem, investigam e discutem certos eventos, uma vez que por transparecer objetividade” são bombardeados nas redes sociais por se manterem numa posição que é confundida com neutralidade: “Não se pode dar igual consideração às visões que entram em conflito com os “valores democráticos” e por isso, não se pode haver o outro lado.

Mas a situação se complica ainda mais quando se percebe que a tomada de posição dos jornalistas pode guardar ligações não exatamente com a liberdade de expressão e com a defesa da democracia, mas sim com a “luta desesperada da mídia por assinaturas digitais”. Assim, o jornalismo entra na concorrência com o mood das redes sociais, procurando então se equivaler a ela nas práticas histriônicas ali manifestadas, entre elas, a lacração. E se isso lhe parece estranho, retome a leitura dos textos publicados nos jornais e que abordam política, esportes, entretenimento ou gastronomia. Constate se essas editorias não foram tomadas pela política, o suficiente para que se manifeste uma ideologia quando se fala de um determinado esporte, de uma receita ou de uma animação. Isso é o que ocorre quando a imprensa toma um partido, o que nos leva a supor que todas as matérias e opiniões somente seguirão um viés. É por isso que vivemos um déjà-vu sempre que lemos uma notícia ou a interpretação de um fato.

Bastante sofisticada é a posição do autor ao citar o efeito Tocqueville e o que ele teria a ver com essa oferta de opiniões aguerridas ofertadas aos montes no jornalismo contemporâneo. De acordo com o grande pensador francês, quando as condições melhoram, a frustração social cresce mais rapidamente. Essa referência pode nos ajudar a compreender a obsessão da imprensa em pilhar os seus leitores com a defesa inconteste de um lado e com o ataque intempestivo a quem pensa diferente. E se tomamos a atmosfera das redes sociais como referência, a objetividade está muito longe de ser atraente o bastante para gerar engajamento. Imagine então quando a imprensa se presta a buscar esse tipo de meta. As notícias, assim, perdem de lavada na competição com as informações que se proliferam de modo pandêmico nas redes sociais. E quando se almeja o engajamento, perde a imprensa e perdemos nós que buscamos nos informar onde nada mais há para nos suprir.

Veja a LABÔ Lecture com Fernando Amed:
https://offlattes.com/archives/12447

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Sobre o autor

Fernando Amed

Doutor em História Social pela USP. Historiador pela FFLCH da USP, professor da Faculdade de Comunicação da Faap e do curso de Artes Visuais da Belas Artes de São Paulo, autor de livros e artigos acadêmicos. Coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Comportamento Político do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ.