
“A esquerda brasileira sempre foi, como a direita, oligárquica, elitista e golpista. (…) só assustou nossos militares porque estes não a entenderam. Estão entendendo agora a sua total insignificância política, sua assombrosa ignorância econômica.” Paulo Francis, “Pátria amada, salve, salve”. Folha de São Paulo, 10/08/1978 apud Nelson de Sá (organizador). A segunda mais antiga profissão. São Paulo: Três Estrelas, 2016, p. 95.
Muitas diferenças podem ser encontradas em três governos de um mesmo presidente da república, uma delas sendo a idade e os distintos contextos. Além disso tudo, podemos mencionar o estrago que tamanha persistência pode fazer num sistema de governo cuja característica principal é a alternância de poder. Países como o nosso revelam sua empatia com o autoritarismo até mesmo na democracia. Nosso país somente pode ser bem configurado a partir das figuras de linguagem.
Mas é forçoso notar que em alguns casos há uma persistência, na verdade, um aspecto que nunca se altera. A corrupção de grande monta mostrou a sua cara em cada um dos três momentos. Por que será? Quais seriam as causas? Muitas, mas aqui eu quero me deter em algumas que são reveladoras do comportamento por parte dos políticos e dos cidadãos.
Do ponto de vista de quem se instalou no Executivo por tantas vezes, creio que o cotidiano pode ter feito com que se ficasse à vontade no posto mais alto da república. Mas como poderia ser diferente se tudo está pago desde o instante em que se acorda até o momento em que se dorme? No mais, a repetição dos mesmos nomes no Executivo se aproxima mais de um estado de coisas típico de um império ou de uma ditadura.
Dos males da República em nosso país o pior é aquele em que os representantes do povo vivem como se de fato não precisassem prestar contas a ninguém. Imagine você se sua vida fosse assim. Nada de chefes, nada de responsabilidades e o salário garantido no final do mês, mesmo que você nem soubesse ao certo o quanto viria ganhar. Declaração de imposto de renda até o final de maio? Preocupação zero. Alguma suspeita de corrupção? Aumente-se os gastos com a propaganda.
Poderíamos sondar quem de fato coloca a democracia em crise, se aqueles que declaradamente se voltam contra ela na direção de um golpe explícito ou outros, que o fazem defendendo-se disso por assemelharem-se como democratas de carteirinha. Uma cultura política cujo critério de escolha de um presidente da república passa pelo crivo de que seja um mal menor descreve bem a nossa relação com a democracia.
Mas há ainda mais: a conivência. É isso que nos explica a seletividade dos cidadãos no envolvimento ou não na luta contra os males operados pelos governos. Depreende-se isso tudo a partir das reações que se podem acompanhar nas redes sociais, nas conversas – ou na ausência delas – e na mídia especializada, quando há ou não um posicionamento político em relação ao que manifestadamente ocorre no Executivo nacional. As indignações seletivas somente nos sinalizam que os objetos de preocupação e atenção estão muito longe de serem o bem público. Pense: bem público no Brasil é uma ação clandestina, para poucos credenciados para tal.
A polarização política é um feito que caiu muito mal em um país em que a oposição existe em relação à concorrência com quem pode depenar mais ainda o orçamento que brota como se fora uma dádiva dos céus. Uma vez que o Ocidente enfrenta uma crise de valores, fruto em parte do tédio que a riqueza produz, países como o nosso que não encontraram momentos idílicos no passado, derrubam-se com mais impacto. A naturalização do apego ao que parece reluzir se faz por aqui de modo independente das cores ideológicas alardeadas. Governa-se como se uma família estivesse no poder e age-se como se as portas estivessem abertas para quem pudesse ser presenteado.
Outras democracias podem se reconhecer em crise por meio do que se entende que venha a colocar as instituições em risco. Em nosso caso, a situação é postiça. O ataque às instituições se transforma em álibi para o desmonte daquilo que jamais se estabeleceu. República democrática é a nossa maior fake news.
As leis draconianas lançadas a esmo somente perturbam mais o nosso presente uma vez que transparecem a ausência de qualquer tipo de padronização. Como de praxe, confundíamos aqui as atribuições dos três poderes e vivemos em tempos em que o Judiciário parece o Executivo e o Executivo não se parece com nada. Perguntamos aqui quando esse governo passou a existir ou se ele é apenas uma foto da subida da rampa em Brasília.
Toda essa narrativa, que se aproxima da verossimilhança, divide os brasileiros que se ligam em toda essa história, como sendo uma quimera ou um fato. Mas nada disso altera o resultado da equação. O jornalista Paulo Francis se referia aos países da América Latina como acampamentos. Produzimos conteúdo que vem justificar o fato de Francis estar correto, como ele sempre esteve em tantas abordagens.
Veja a LABÔ Lecture com Fernando Amed:
https://offlattes.com/archives/12447
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