
Tema dos mais instigantes é aquele em que se parte do relativismo como meio de elaboração de perguntas que à primeira vista podem parecer tolas. Qualquer pessoa que tenha sido introduzida à filosofia bem sabe que questões desse tipo abrem perspectivas céticas, de longe uma das mais valiosas fermentas para quem tem afinidade pelo conhecimento. É com uma proposta dessa natureza que o Pew Research Center divulgou recentemente uma pesquisa cujo título é exatamente, o que é notícia? Como sempre, além da divulgação das percentagens, esse instituto faz uma interpretação dos resultados obtidos.
Para efeitos comparativos, os pesquisadores retomaram que antes da era digital – e da proliferação das informações – as notícias eram responsabilidade dos jornais que as buscavam, submetiam-nas ao escrutínio dos jornalistas e as publicavam, sendo que os leitores eram passivos em todo esse processo, cabendo a eles a repercussão do que leram. É claro que poderia ser questionado o que vinha a ser a notícia, isso do ponto de vista do que se desejava dar ênfase e destaque. Os acontecimentos mais relevantes sendo aqueles que chamavam mais a atenção, como tragédias, guerras ou crimes. O resultado disso tudo era que os leitores, os ouvintes e telespectadores, sentiam-se informados sobre as situações que, de outra maneira, nem sequer seriam conhecidas, uma vez que muito distantes do cotidiano mais prosaico. Acontecimentos que eram desconhecidos tornavam-se notícias e, posteriormente, fatos. E hoje?
De acordo com o Pew Research, muitas pessoas continuam a crer que as informações devem possuir suportes nos fatos, serem atuais e importantes para a sociedade. Temas políticos e militares – guerras, atentados, revoluções – são facilmente identificadas como notícias. Porém, não há empatia entre o público e a matéria consumida quando há conflitos de vieses ou opiniões com os comportamentos e preferência dos leitores.
No entanto, notam os pesquisadores que tudo isso mudou e que estamos às voltas com uma virada da recepção (audience turn) uma vez que o conceito de notícia não mais depende dos jornalistas profissionais: o público também pode determinar o que é notícia. Mas não é somente isso. Uma das conclusões do estudo é que a “definição de notícia se tornou pessoal e personalizada”.
O desvinculamento entre o que acontece e o que se noticia é tão grande, que podemos supor que as notícias sejam elaboradas pelas próprias pessoas através do contato do que lhes chega a partir dos celulares. Fato já percebido quando das eleições, a sensação de estar informado pode passar bem longe do que a mídia especializada oferece. Informar-se por conta própria tem sido o modo frequente de saber o que está acontecendo.
Outra percepção da pesquisa é que o jornalismo opinativo afasta leitores que antes buscavam se deparar com informações objetivas do tipo quem, quando e onde. Já faz algum tempo que acompanhamos a politização nas colunas de gastronomia, que podem clamar contra estabelecimentos de fast food por ocuparem espaços que antes ficavam botecos que faziam PFs. Nos esportes, conhecemos quem se sente autorizado a projetar o seu inconsciente nas colunas em que se aguardava a conversa sobre táticas e estratégias. Em um caso como no outro, os vieses já são percebidos e antecipados.
É assim que por trás da liberdade de expressão de uma primeira dama, ataca-se uma ou outra por pura diferença ideológica. Até a aparência e o credo servem de munição. Não é o caso de se pensar que os jornais controlem os seus jornalistas para que eles pendam para um lado ou outro. O que ainda resta de repertório das humanidades no jornalismo tende a direcionar esses profissionais para um lado do espectro político. E é por isso que as notícias entediam e, uma vez que não escondem a opinião, são capazes de transformar uma competição de escoteiros e lobinhos em política polarizada.
É nessa direção que informar-se por conta própria é a solução encontrada por leitores insatisfeitos e impacientes. Rompeu-se a aliança entre leitores e os órgãos de imprensa e já se percebeu que de nada adianta estar bem informado. Pense em quanto tempo se gastou no acompanhamento de todas as fases da Lava Jato, todos os nomes envolvidos e os documentos descobertos. Tudo isso em relação a uma operação que foi decretada como inexistente. Pergunto-me por que alguém iria novamente se interessar por outro caso rumoroso de corrupção.
O problema dos vieses nos meios de divulgação de notícias está na personalização da informação e isso é percebido de modo bastante amplificado. Quem acompanha as notícias pode se dar conta de que o ego enviesado de quem escreveu a matéria é mais iluminado do que o assunto ali abordado. Os adeptos de algum dos lados ideológicos, entendem somente o que já concordavam antecipadamente. E quem já sacou esse procedimento, não aguenta mais acompanhar noticiário de espécie alguma. Enfim, quem suporta topar com uma ideologização inercial quando da leitura de uma receita de sopa de pepinos ou na divulgação dos resultados dos jogos de futebol?
Veja a LABÔ Lecture com Fernando Amed:
https://offlattes.com/archives/12447
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