
Na maior parte das vezes, somos facilmente transpostos para a fantasia quando pensamos nos objetos de estudo do comportamento político. Acredito que seja difícil encaminhar ideias que se conectem, mais ainda quando pensamos em situações que não temos hipótese alguma quanto ao que ocorre. Esse é o espaço que é contemplado pela literatura, de alta ou baixa qualidade. As teorias de conspiração nascem assim, do mais completo desconhecimento quanto ao que acontece. Pensemos nas tomadas de decisão ou no preparo para que se chegue a elas. Supomos uma lógica que nos parece a mais racional e que passa pela busca de informações que possam auxiliar na pretensão de antever um problema ou mesmo, solucioná-lo.
Esse tem sido o tema do grupo de pesquisa em comportamento político que se debruçou nesse semestre na obra How statesmen think: the psychology of international politics, de Robert Jervis (Princeton: Princeton University Press, 2017). Em um dos nossos encontros, nos detivemos no exame das relações entre os tomadores de decisão e a comunidade de inteligência. Notamos então uma recorrência no interior desse debate e que se tratava da distância entre os dois lados dessa equação. Não, os tomadores de decisão não guardam preocupação e, no mais das vezes, sequer veem como necessária a consulta a algum grupo que forneça detalhes ou informações no nível da inteligência.
Fica-se com a imagem de que não se gosta do mensageiro que traz más notícias e que se prefere ficar no aconchego do que antes já se pensava. As informações oferecidas podem ter um custo elevado ao mesmo tempo que podem beneficiar alguém que se encontra fora do vínculo de confiança. Mais fácil é não sair do lugar e se movimentar somente quando alguma situação sai do controle, como por exemplo, um apagão, uma enchente ou um caso mais rumoroso de corrupção. De acordo com Jarvis:
Os formuladores de políticas dizem que precisam e querem uma boa inteligência. Eles precisam disso, mas muitas vezes não gostam e são propensos a acreditar que quando a inteligência não está fora para pegá-los, é incompetente. Richard Nixon foi apenas o mais vocal dos presidentes ao se perguntar como “aqueles palhaços em Langley” poderiam entender tão mal o mundo e causar problemas à sua administração. Infelizmente, não apenas até mesmo os melhores serviços de inteligência muitas vezes estarão errados, mas mesmo (ou especialmente) quando estão certos é provável que tragam notícias perturbadoras, e isso incorre em um custo. Como disse o Diretor de Inteligência Central (DCI) Richard Helms logo após ter sido demitido em 1973, ele era “o homem mais fácil de demitir em Washington. Eu não tenho base política, militar ou industrial.” Embora a visão de DCI de James Woolsey tenha sido colorida por suas más relações com o presidente Clinton, ele não estava longe do alvo ao dizer que a melhor descrição de trabalho para sua posição era “não ser apreciada”. (op. cit. pp. 148, 149)
No entanto, outro aspecto que nos mobilizou se deveu ao fato de supormos que num governo tudo se sabe sobre o que acontece ou o que deixa de acontecer, o que significa que somente tragédias equivalentes a uma queda de uma aeronave podem ser surpresas. E com isso, devemos ter em mente que tudo, inclusive os dolos, são conhecidos e, se não são enfrentados deve-se entender que o custo político seja maior. Assim, quando não se pode estancar uma sangria uma vez que ela virá à tona, trata-se de pensar no que fazer quando tudo emergir.
Todos sabemos assim que alcançamos a idade adulta, que não se pode alegar o desconhecimento de uma lei que não foi cumprida, fosse assim, e teríamos mais facilidade ainda no cometimento de crimes. Todos com exceção dos nossos governantes: eles podem alegar que uma grande escala de corrupção tenha surgido no governo anterior e que coube ao atual, descobrir e tornar público o caso.
Nada de gabinetes de crise nem para passar a imagem de que se está sendo ciente do que aconteceu ou buscando por dentro e por fora saber a dimensão do ocorrido. Assumir erros é por demais custoso para um chefe do executivo e por isso ele tentará se blindar. O fato é que alguns conseguem e outros não, o que pode ser explicado pela perda repentina de popularidade ou pela vocação não admitida que é a de criar desafetos políticos para todos os lados.
É claro que nos abastecemos de histórias que antecedem os grandes desfechos tais como o suicídio de Getúlio Vargas, a renúncia de Jânio Quadros ou a de Richard Nixon. Não por acaso. Acontecimentos assim dão vazão à nossa imaginação que tende a se sentir bem à vontade em meio às conspirações que tanto agradam as produções literárias ou de audiovisual. Fora disso, Jarvis nos conta que na política do cotidiano, os chefes de estado fogem das notícias que não os agradam como o diabo da cruz. De acordo com Robert Jarvis:
Por razões psicológicas e políticas, os tomadores de decisão querem não apenas minimizar as compensações de valor reais, mas também minimizar sua própria percepção deles. Os líderes falam sobre como tomam decisões difíceis o tempo todo, mas como o resto de nós, eles preferem decisões fáceis e tentarão convencer a si mesmos e aos outros de que uma determinada decisão não é de fato tão difícil. Maximizar o apoio a uma política significa argumentar que ela atende a muitos objetivos, é apoiada por muitas considerações e tem poucos custos. Os tomadores de decisão, então, querem retratar o mundo como aquele em que sua política é superior às alternativas em muitas dimensões independentes. (op. cit. p. 151)
Veja a LABÔ Lecture com Fernando Amed:
https://offlattes.com/archives/12447
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