
Que a política tenha se tornado um circo não surpreende a ninguém mais, tamanho é o contraste das performances que nela acompanhamos em comparação com diferentes atividades. Tanta desfaçatez sinaliza o abismo para com outros comportamentos minimamente protocolares. Quem aqui imaginaria que profissionais de áreas de saúde viessem a agir da mesma maneira que as lideranças políticas nas declarações ou nas postagens em redes sociais? Podemos dimensionar o que nos aguarda se nossos médicos se comportassem como Lula ou Trump no momento em que fossem oferecer um diagnóstico após uma batelada de exames realizados.
Essa hipótese não teria validade alguma se ela fosse suposta em outra época. Não seria adequado que julgássemos assim – em tão baixo nível – as falas e a presença de estadistas da envergadura de Winston Churchill ou Franklin Delano Roosevelt, dentre alguns outros. Esse sendo um dos motivos que fizeram com que esses líderes fossem percebidos como referências para muitos daqueles que compartilharam as suas atuações. Uma consequência colateral se nota na escolha desses nomes para os recém-nascidos, inclusive aqueles que sequer os conheceram vivos e atuantes.
Mais do que isso, tais políticos pareciam superar as demandas exigidas pelo contexto que lhes era muito desfavorável. Sabiam que não poderiam reagir com bravatas, jogos de cena e palavras de efeito contra uma situação concreta que implicava no ataque militar às nações que representavam. Sendo ambos líderes de países democráticos, sabiam contar com o respaldo popular numa época de privação inclusive de palavras otimistas. Mesmo assim, foram respeitados assim como o sistema político que veio a lhes confiar o posto mais alto da nação.
Lembremos que a oposição ao governo de Roosevelt se conteve durante a vigência da Segunda Guerra Mundial uma vez que não se dispôs a correr o risco de ser tomada como antipatriótica: como isso seria usado na contrapropaganda operada pelos países do Eixo? Sei bem que esse é um caso exótico para se refletir no Brasil quando a oposição sempre lutará contra o governo de plantão e vice versa. E talvez seja por isso mesmo que esse fato sempre me chamou a atenção.
Contudo, para que não nos distanciemos do que vínhamos abordando, proponho que se pense aqui se a propalada crise da democracia em escala mundial não tem mais exatamente a ver com a queda de qualidade das lideranças do executivo. As habilidades notadas em muitos desses políticos mais se encontram nas práticas circenses que nos oferecem do que propriamente dito no domínio das qualidades de liderança. Qual não será o desânimo de periodicamente ter de escolher dentre estes, aqueles que deverão vir a ocupar esses postos políticos? Como formar um critério de escolha?
Por outro lado, a sensação de que os políticos não sirvam para nada pode granjear espaço particularmente quando se toma a massa de situações cotidianas que se configuram em enfrentamento do trabalho, nos gastos com saúde e na preocupação com o envelhecimento. Quem de nós gastaria tempo e energia na expectativa de poder contar com políticas públicas que nos fossem favoráveis? Que tipo de pais seriam aqueles que somente enfatizassem em seus filhos a necessidade de manter a credibilidade na política como meio de conquista de espaços de trabalho ou de um bom sistema de educação?
A política pequena, aquela que se faz na dependência de compadrios e que deles depende para que consiga sementes ou água potável, tem a sua presença no mundo afora e o Brasil ocupa um lugar de destaque. Mas aqui não temos nada que demarque virtudes e muito pelo contrário. Esse comportamento atávico está muito longe de qualquer significado constituído na recuperação da experiência democrática que se deu no Iluminismo. A sobrevivência aqui é o que impera e nada há de metafísico nesse comportamento.
O contato com essas práticas naturalizadas em nada influi na crise ou na sustentação da democracia, motivo pelo qual a chamada teoria folk sempre parecerá extraterrestre e um assunto sem sentido para muitos. A democracia e seu binômio que lhe dá guarida e motivo de existência – liberdade e igualdade – são conceitos abstratos demais para serem trocados e reconhecidos como moedas cunhadas. Principalmente a liberdade, uma vez que quando se supõe a sua existência, ela já está ausente e ninguém notou a sua falta.
Posturas e posições dramáticas de lideranças como Trump, Lula ou Bolsonaro não seriam os principais motivos para colocarmos tudo no mesmo saco e julgarmos o sistema da democracia como fracassado? O que essas pessoas fazem para conceder uma validade real ao sistema político que as elegeu? A oportunidade maior para darmos ciência disso tudo é aquela da escalada de notícias mais beligerantes e que criam uma ansiedade pelo desfecho. O caso do tarifaço do governo de Donald Trump contra produtos brasileiros é um grande exemplo: quanto mais espaço concedido pela mídia e mais vergonha alheia temos em relação à postura de ambos os principais representantes políticos dessas duas nações. Nesse aspecto, os dois nada mais são do que duas tristes lideranças bravateiras. O que ganhamos ou deixamos de ganhar com isso?
Veja a LABÔ Lecture com Fernando Amed:
https://offlattes.com/archives/12447
Entre em contato com a coluna
labo.behavior@gmail.com

