Behavior

Para aqueles que acordam com o furor de salvar o mundo: take it easy, man!

Já cansamos de ver esse caso, mas parece que sempre nos deparamos com um ativista digital que pensa que os outros são otários. Essa história começa assim: pessoa entediada A tem a sua rede social inundada por causas B que são compartilhadas por N pessoas. As causas já vêm prontas para serem seguidas, assim mesmo, como um delivery de boas intenções. O storytelling é o mesmo e replica David e Golias: povo inocente é atacado por povo culpado. Temos aqui o plot básico que fez a ressignificação de histórias, tais como Star Trek, que humanizou os Klingons, ou Star Wars por perdoar o Povo da Areia por ter assassinado a mãe de Anakin Skywalker. E seu eu cito essas fontes, faço por entender que esse é o repertório padrão da galera aí que enfrenta o tédio no “tudo por um engajamento”.

Bem, gente que cai de cabeça nos estudos de historiografia, entende que as desavenças entre memória e história se iniciaram com o rompimento da fé de que esse casamento fosse perfeito, isso, lá por volta da década de1950. E qual seria o motivo disparador? Nada mais que o evento original das questões identitárias: a imperativa necessidade de se recontar a história do Holocausto dispondo os verdadeiros algozes e vítimas. Alguém aí tem dúvidas? Esse sendo o marco das narrativas que vieram a demarcar a necessidade do amparo em fontes e testemunhos obtidos no calor dos acontecimentos.

Toda pessoa minimamente informada deveria saber disso. Só que não. O que sobrou disso tudo para muitos, foi o sentimento envaidecido de que a descoberta jaz em algum lugar escondido e que alguns poucos conseguem entrevê-la. Aqui temos uma mistura de ceticismo com esperteza e tudo caminhando para a vontade de poder de um sobre outros. A verdade travestindo-se de opressão é um clássico das distopias do século passado.

Quem chegou até aqui na leitura pode se perguntar sobre a razão de ser dessa coluna. Quais são as fontes que justificam a crença de que esteja acontecendo um genocídio em Gaza? E por que tantas pessoas razoáveis acompanham essa lógica e estão aí, prontas para assinar abaixo-assinados?

Recomendo aqui a leitura de uma matéria publicada em The Free Press no dia 4 de setembro de 2025 cujo título é Another Reason not to trust the “Experts”. Avisando aqui que é necessário fazer uma assinatura para poder ler esse conteúdo. Ficamos sabendo que (sic) existe uma entidade chamada International Asssociation of Genocide Scholars – IAGS. Toda pessoa que reconhece Pierre Bourdieu como o maior sociólogo do século XX está convidado para conhecer essa organização. Ela é legitimada pela presença de intelectuais num organograma que chama a atenção pela dedicação primorosa bem como em relação aos prêmios recebidos pela entidade. Nada que deva nos chamar a atenção, uma vez que a matéria da Free Press aponta o Washington Post, The Guardian, ABC News Australia e a BBC como alguns dos órgãos de imprensa que solenemente justificam as informações obtidas através dessa fonte.  

O Guardian, por exemplo cita uma declaração da presidente da IAGS, Melanie O’Brien que atesta que uma resolução consagrada pela maioria dos participantes da entidade representa uma declaração definitiva de especialistas no campo dos estudos de genocídio de que o que está acontecendo no terreno em Gaza é genocídio.

Mas, exatamente por ser uma instituição que reúne scholars voltados para os estudos sobre genocídio, uma pergunta básica a se fazer é: quem são os participantes dessa associação? De acordo com Melanie O’Brien, presidente da IAGS,

os membros de sua organização “consistem principalmente de pessoas que são acadêmicas, portanto, especialistas acadêmicos, mas nossos membros também são compostos por pessoas que vêm de diferentes comunidades no campo da prevenção, educação e punição do genocídio.

Dito isso, como se explica que personagens como o Imperador Palpatine ou o Come-come dos Muppets possam fazer parte da IAGS? Tratam-se de membros oficialmente associados à entidade. Mas não é somente isso. De acordo com a reportagem,

80 dos 500 membros do IAGS afirmam estar baseados no Iraque – um país não conhecido por universidades com estudos robustos sobre genocídio. Mas é ainda pior do que isso. Apenas 108 dos 500 membros da organização realmente votaram a favor da resolução. Então, contra O’Brien, apenas 21,6% do IAGS o apoiou, não quase 90%. Esse número representa 108 das 129 pessoas que se preocuparam em votar a favor da resolução.

Evidentemente, a matéria acima é bastante recomendada aos leitores que nunca sequer vão topar com ela, muito menos com a Free Press. Sempre haverá um motivo para que isso ocorra, algum tipo de argumento de mão única feito por algum bruto que desconhece por óbvio a Apologia de Raymond Sebond, ensaio maravilhoso de Michel de Montaigne. Para aqueles outros que mantêm a curiosidade intelectual em dia e distante de toda moda, vale a leitura da matéria.

É hora de abandonar o Data Hamas como fonte, você não acha?

Veja a LABÔ Lecture com Fernando Amed:
https://offlattes.com/archives/12447

Sobre o autor

Fernando Amed

Doutor em História Social pela USP. Historiador pela FFLCH da USP, professor da Faculdade de Comunicação da Faap e do curso de Artes Visuais da Belas Artes de São Paulo, autor de livros e artigos acadêmicos. Coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Comportamento Político do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ.