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O top ten das causas: quem caiu, quem nunca entrou e quem segue entre as melhores

“Hell is truth seen too late.” Thomas Hobbes, Leviatã

Haveria um padrão qualificador de causas que valem ou não a pena se engajar? Penso aqui numa planilha excel que dê conta disso ou no prompt perfeito para se colocar numa IA. Qualquer tema que invoque luta, mão esquerda erguida e o escambau, passa por Israel ou os Estados Unidos, sendo que ninguém dá a mínima com a poluição provocada pela queima das bandeiras desses países.

Com certeza tem a ver com a repercussão, além do fato de que falar de ricos sempre conta mais, pois eles são mais caros e, por isso, chamam a atenção. Até a miséria quando aproximada deles muda de preço. Penso nisso sempre que vejo o espaço exíguo concedido aos continentes ou nações paupérrimas. Qual o interesse midiático em abordá-las fora do período entre Natal e Ano Novo, período em que fica aberta a estação de caça aos acidentes naturais?

Pense na economia das informações e no mercado que se faz em torno delas. Não é isso que está por trás da busca pela audiência? Qualquer aspirante júnior bem sabe o que vai dar traço na medição de audiência. E se as produções de conteúdo se orientam pelo que pode alcançar mais o público, as notícias seguem o mesmo princípio. Assim, Estados Unidos ou Israel são breaking news sempre. Em Israel, uma guerra entre pipas que termine com uma delas sendo cortada pelo uso de cerol vai ter seus minutos de fama na divulgação. E pode ter mais destaque que o sequestro de milhares pessoas pelo Boko Haram.

E pensar que no mercado das causas, muita gente proclama ir contra o mercado. Quer saber o que seria ir em sua contramão? Pesquisar, colher e divulgar assuntos distantes do anseio midiático e que se valessem de outros critérios para virem ao público. Essa atitude já seria o suficiente para lançar luz aos problemas afastando-se dos riscos, do preconceito ou da rendição à moda. Cara, causa social da moda é o fim da picada…

Nada mais desprezível do que se aproveitar de uma situação de miséria somente para que ela cause repercussão em quem mostra indignação contra ela. Compare, por exemplo, os casos de crise de imagem quando se manifestam em pequenas e desconhecidas empresas ou nas gigantes. Tendemos a esquecer os primeiros eventos mesmo porque se corre o risco de se revelar a idade de quem fala. Já com as líderes, sempre se pode retomar sendo que a lembrança será saudada como oportuna e adequada. Minha hipótese aqui é a seguinte: operamos no mercado das causas da mesma maneira do que em relação aos destinos de viagens, restaurantes ou o estilo propriamente dito.

Vejo por aí gente que opta por comprar celulares ou programas de computadores gratuitos, mas o fazem mais para poderem divulgar que o fizeram. Claro que jamais saberemos se os abandonaram ou não pois o que fica é a primeira iniciativa que tiveram. E isso se entende uma vez que ficarão registradas inclusive por serem exceções.

Quer mais situações? Acompanho aqui e ali pela imprensa – a dificuldade de se deparar com algumas notícias já é um sintoma – o que ocorre na Nigéria ou no México. Por que os explícitos casos de violência estão na série C e os eventos do Oriente Médio estão no prime time? Porque um caso rende mais audiência e os outros não. Não é incrível pensar que podem ser situações que não se configuram em bons propulsores para a divulgação do seu melhor lado na selfie?

São causas nichadas que podem provocar uma indignação segmentada, mas que não representam a fatia premium desse mercado. Quem se recorda delas corre o risco de ser aproximado a uma Madre Teresa de Calcutá ou Lady Di, quem sabe. Tanto um caso quanto o outro sendo péssimos para a autoimagem midiática. Temos então causas que estão no mainstream e outras que, bem, nem vem ao caso mencioná-las.

Fossem as causas o foco, por que quem se aloja nelas escolhe as melhores ondas para não floparem? Lembremos que no mercado das tragédias, o mundo não para de nos oferecer novos eventos. Por que então tem-se uma predileção pelas ocorrências nos países anteriormente mencionados? Será por conta do número de vítimas? Será por darmos um maior crédito às entidades que criam e fornecem os dados sobre a violência?

Seria o caso de supormos algum tipo de predileção pelos supostos culpados de sempre. Penso aqui em algo como o “meu malvado favorito”. O fato de se permanecer apertando essa única tecla mesmo que o contexto mundial nos escancare violências e usurpações terríveis sinaliza nada mais do que preconceito ou pura preguiça.

Pense como deve ser trabalhoso sair da zona de conforto das tragédias mais hypadas e ter que ir à luta no trabalho arqueológico de topar com outras menos ou nada conhecidas. E imagine que em meio a tudo isso, você sequer contará com o suporte dos storytellings básicos que explicam tudo através de desenhos. Não há dúvida de que é melhor permanecer nas misérias de sempre, mesmo porque já estão estabelecidas há um bom tempo. Recupere isso um pouco antes da obsessão de se assinar um abaixo-assinado da modinha.

Veja a LABÔ Lecture com Fernando Amed:
https://offlattes.com/archives/12447

Sobre o autor

Fernando Amed

Doutor em História Social pela USP. Historiador pela FFLCH da USP, professor da Faculdade de Comunicação da Faap e do curso de Artes Visuais da Belas Artes de São Paulo, autor de livros e artigos acadêmicos. Coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Comportamento Político do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ.