Sala Michael Oakeshott

Rationalism in Politics [5]

Quinto encontro de 2020 do Núcleo de Filosofa Política
Rationalism in Politics – Michael Oakeshott

Na quinta e última parte de seu ensaio datado de 1947, Rationalism in Politics[1], Michael Oakeshott (1901-1990) continua a destilar sua repulsa ao racionalismo por meio da dissecção do modo de funcionamento de um tipo ideal: o Racionalista. Suas percepções sobre o Racionalista são ácidas como: “ele quer tanto estar certo, porém ele nunca vai estar certo”; “ele começou tarde demais com o pé errado”; “seu conhecimento não vai deixar de ser meio conhecimento e consequentemente ele nunca vai estar mais do que meio certo”. O Racionalista é alguém que despreza o conhecimento prático, não atribui valor à experiência, à vivência e à tradição. O Racionalista só tem apreço ao conhecimento técnico. Vale relembrar que o Racionalista se diferencia do Cientista e seus pontos de vista nem sempre coincidem.

Oakeshott atribui ao grande prestígio das ciências naturais o aceleramento da consolidação da disposição de mente racionalista entre nós, porém isto não é resultado da atividade do cientista genuíno, mas do cientista que é racionalista apesar da sua ciência. Parece-me que Oakeshott reconhece que um cientista genuíno tem noção dos limites da racionalidade e dos métodos, das lacunas de conhecimento, enquanto o Racionalista sabe que tem razão, tem certezas que embalam ideologias.

Para Oakeshott, o Racionalista é um ser que não aprende, é portador de uma enfermidade, uma infecção, uma desonestidade intelectual, alguém perigoso que causa mais dano quando parece que acerta do que quando falha. Na sua militância ideológica, na sua convicção de domínio sobre uma dimensão específica de conhecimento ao longo de sua busca por ideais morais, tudo o que o Racionalista consegue fazer é substituir um projeto mal sucedido por outro.

Considerando a sequência de sua produção acadêmica, o julgamento de Oakeshott se expressa por uma linguagem mais detalhada em obra anterior – Experience and its Modes – publicada em 1933, onde ele descreveu três dimensões ou modos de compreensão da realidade pelos seres humanos: o prático, o científico e o histórico (Munroe[2]). No texto sob escrutínio, ele se concentra na fixação do Racionalista pelo conhecimento científico, por vezes designado como técnico e concreto. As três dimensões de conhecimento compõem seu enunciado sobre educação como “uma iniciação nos hábitos morais e intelectuais ou mesmo nas conquistas da sua sociedade, uma entrada na parceria entre presente e passado, por meio do compartilhamento do conhecimento concreto”.

Oakeshott escreve que o racionalismo na política conduziu ao racionalismo na educação, resultando um projeto de educação em que não se oferece nada do que não represente um caráter essencialmente racionalista. Ele considera que a educação profissional não oferece a chance de aprender “as nuances que compõem a tradição e os padrões de comportamento inerentes a todas as grandes profissões”.

Na sua perspectiva, a educação deve ter escopo abrangente, inclui história, tradição e transmissão da experiência entre gerações. Ele chega a afirmar que a aprendizagem da prática de determinados ofícios pode demorar duas gerações. Entretanto o Racionalista despreza tradições, respeita apenas o cérebro e acredita no seu treinamento, na educação profissional que progressivamente se aproxima à aquisição de técnicas. O conteúdo deste tipo de atividade é a metade do conhecimento que pode estar contido em livros e manuais, um treinamento. Oakeshott identifica e teme a disposição racionalista tanto nos órgãos de governo como nas universidades que se propõem a treinar homens e mulheres, veiculando regras e receitas descontextualizadas.

Nosso autor reconhece que, enquanto nas universidades ainda se verificam mecanismos para limitar a influência racionalista, é na moralidade que essa disposição de pensamento tem sua vitória mais expressiva. A moralidade do Racionalista é aquela do self-made man e da self-made society, uma espécie de idolatria. Tudo o que importa para o Racionalista é separar o ideal moral de hábitos arraigados. Esta separação implica desconectar ideais morais de sociedades de seus contextos específicos com a subsequente formulação e divulgação de um conjunto de princípios morais idealizados. Para Oakeshott, princípios morais não podem ser transportados de um contexto para outro, e a educação moral não deve se limitar à veiculação de regras e princípios.

O texto traz uma rigorosa análise crítica de uma disposição de mente usual e presente, senão dominante, na sociedade contemporânea. As mídias sociais oferecem inúmeros exemplos de comportamentos que permitem evidenciar racionalistas em atividade, especialmente entre militantes mais extremistas. Indivíduos que têm certeza de como as coisas devem ser, como os outros indivíduos devem se portar e como a sociedade deve ser transformada.

Ao final da leitura permanecem algumas dúvidas essenciais. Caso sejam necessárias duas gerações para a aprendizagem de profissões ou ofícios complexos, como favorecer a renovação de práticas com inclusão de novos atores sociais? Como possibilitar uma genuína educação política para novos entrantes? Oakeshott sustentaria argumento contrário a toda e qualquer renovação e defenderia algum modelo hereditário de sucessão? No campo moral, tanto em comentários em relação à Declaração Universal dos Direitos Humanos, como em seu discurso sobre princípios morais, Oakeshott dificulta a compreensão de seu posicionamento. Estaria implícita uma postura de relativismo moral? São perguntas a serem endereçadas nas próximas leituras e debates.

[1] OAKESHOTT, Michael Joseph. Rationalism in politics. In: Rationalism in politics and other essays. New and Expanded Edition, Liberty Fund, Carmel, Indiana, United States, 1991. P 5: 42

[2] https://www.britannica.com/biography/Michael-Oakeshott em 13/março/2020

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Sobre o autor

Ruth Steuer

Mestre e doutora em Serviços de Saúde na Faculdade de Saúde-Pública da USP. Pós-Doutorado em Estudos Organizacionais na EAESP – FGV. Integrante do grupo de pesquisa "Isaiah Berlin: Pluralismo e Liberdade" do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ.

Referências