Sala Michael Oakeshott

Political Discourse

Sexto encontro de 2020 do Núcleo de Filosofia Política
Political Discourse – Michael Oakeshott

No ensaio “Political discourse”, Michael Oakeshott busca não somente expor o caráter argumentativo do discurso político, mas também como ele está intimamente associado à compreensão que temos do propósito e do funcionamento da atividade política em si. Sendo assim, é necessário compreender primeiro como ela se dá.

Três ingredientes são necessários para que ocorra a atividade política: uma situação pública, para a qual mais de uma solução é possível; uma autoridade legítima para agir, em resposta a esta situação; e um período de deliberação sobre a solução, para que se aja, finalmente.

A decisão, que é fruto dessa reflexão, é concebida para alcançar um resultado específico, que configure a situação de maneira diferente da inicial, implicando um juízo de valor – crenças, se preferir – sobre qual seria o melhor ou pior arranjo das coisas.

Portanto, o discurso político tem o propósito de contribuir para um debate, ou conversa, relacionado ao problema político em questão, elucidando as ideias envolvidas em seu processo de solução. Porém, ele acaba sendo um recorte parcial da realidade, permeado pelas crenças do locutor, podendo assumir um caráter questionador, crítico ou elogioso.

O autor afirma que a parcialidade do discurso é evidenciada por seu vocabulário, pois, embora sejam utilizadas palavras de um certo “vocabulário político geral” para demonstrar ideias abstratas gerais, como “democracia” ou “liberdade”, elas podem tomar significados diferentes, dependendo de quem as está falando. A esse “vocabulário especial” formado, Oakeshott dá o nome de “ideologia”. Nesse sentido, ideologia seria um convite à assimilação de uma interpretação definida sobre a situação política, sua solução desejável e suas consequências.

No entanto, além desse vocabulário de crenças que o constitui, o discurso político também dispõe de uma estrutura lógica. Neste ponto, o autor apresenta dois tipos de discurso: o de ordem lógica expositiva, representado pelo discurso de Péricles à Atenas; e o de ordem lógica demonstrativa, que possui duas variações, uma representada por Platão e outra por Marx.

O discurso expositivo tem por objetivo recomendar o que se deve fazer, ou não, frente a certa situação onde há várias possíveis soluções. Nele, o locutor apresenta um diagnóstico da situação, comparando as possíveis decisões e as consequências delas decorrentes, indicando, por fim, o caminho a ser seguido, sem o uso de axiomas.

Baseando-se em Aristóteles, o autor explica que esse discurso tem uma preocupação moral, representada pela busca pela eudaimonia. Este conjunto de valores que a constitui reflete o conjunto de bens reais adquiridos por uma sociedade através do tempo e, portanto, uma base comum de objetos desejáveis. Assim, esse primeiro tipo de discurso se vale de máximas, que são afirmações comuns sobre o que, geralmente, acredita-se ser o melhor. É um argumento que envolve mais a retórica, em seu sentido de persuasão.

O discurso de ordem demonstrativa tem o propósito de atestar ou refutar uma proposição política e se apresenta de duas maneiras diferentes. A primeira toma componentes da ideologia e os transforma em axiomas de aplicação universal e infalível. A segunda se configura em uma espécie de argumento de autoridade, no qual os componentes da ideologia ganham o status de informação característica da condição humana e o que a cerca, através de uma tentativa de justificação racional.

Oakeshott considera Platão o pai da primeira versão do discurso político demonstrativo. O autor explica que o filósofo grego buscava uma definição lógica infalível de Justiça, para que com essa definição pudesse medir e julgar todas as decisões tomadas politicamente, em busca da dikaiosune. Assim, ocorre um processo de desmoralização do discurso e da ação, que se preocupa mais com a correspondência com o valor estabelecido previamente e acaba por alienar-se da realidade, perdendo-se na discussão de ideias abstratas.

Para explicar a segunda versão desse tipo de discurso político, Oakeshott apresenta Marx como seu principal expoente. Segundo o autor, Marx tinha a pretensão de acabar com os impasses das discussões políticas, causadas pelas opiniões, através de uma tentativa de justificação lógica de sua própria crença, ou ideologia. Portanto, ele também acabou preso em um mundo de causas e consequências irreais, que não alteram em nada a situação do debate político.

Esse tipo de pensamento continua presente na modernidade, embora mais brando. Agora, essa esperança na libertação da subjetividade da opinião tomou forma na busca por “informações confiáveis” para se julgar corretamente as situações políticas e se intitula “o fim das ideologias”. Porém, quanto mais generalizado for esse conhecimento, menos ele pode elucidar a deliberação política, porque estará alheio às circunstâncias que a envolvem – incluindo as opiniões. Além disso, a tentativa de validação do discurso político pela ciência não soluciona o problema, pois acaba produzindo máximas, e não axiomas, e pode assumir um caráter tão ideológico quanto os outros.

Por fim, Oakeshott conclui que o discurso demonstrativo é perigoso e acaba por fazer o público desvalorizar e desconsiderar o debate político em geral. Para ele, o discurso político deve reconhecer sua limitação em ser demonstrativo, para que tome consciência de princípios e opiniões inseridos nele e considere também os bens reais adquiridos pela sociedade. Só assim será possível assumir a responsabilidade moral das ações políticas decorrentes do discurso.

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Sobre o autor

Alvaro Gadelha

Graduando em jornalismo pela faculdade Cásper Líbero. Pesquisador do Núcleo de Filosofia Política do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ.

Referências